Intervenção de Carlos de Sousa na sessão de lançamento do livro Conversas de J. A. Nunes Carneiro:

“Viemos aqui, a esta Meca das Artes Plásticas, para conversar sobre os desenhos escritos do José Augusto Nunes Carneiro.
Admito que o tema também pudesse ser a poesia desenhada deste criador versátil, que se exprime como poucos na intimidade criativa do traço rápido e firme e no domínio da semiótica vagarosa da pegada de um elefante.
Este Conversas que aqui nos traz, porque dá o par ao desenho e o ímpar à poesia, é para ser olhado, remirado, examinado as vezes que forem precisas, da esquerda para a direita, antes mesmo de os seus 60 versos serem lidos – porventura, soletrados, à procura do tempo certo para nos juntarmos à conversa do poeta consigo próprio e com as personagens que ele convoca para tornar mais verosímil a mensagem que nos quer deixar. E porquê?
O autor, ele próprio, não o esconde. Porque, entrada a existência na idade madura, sente necessidade de nos dizer “alguma coisa”, ainda que tenha um certo medo de o assumir sozinho, na primeira pessoa.
Talvez por isso, estas Conversas, que qualquer um de nós podia ter, com fantasmas recentes ou velhos amigos, em sítios dados à treta e ao palavreado banal, nos interpelem a refletir sobre algumas das maiores ameaças com que a Humanidade e o Planeta estão confrontados.
O envelhecimento, a saúde mental e a memória, as desigualdades que persistem, a exclusão social e a nossa crescente indiferença perante a desesperança e o sofrimento de tantos concidadãos nossos. É deste lado cru da vida que versam as Conversas do José Nunes Carneiro.
Por isso, em todos os desenhos que ilustram o conteúdo extra-poético dos 10 poemas que este livro reúne, os olhos dos conversadores aparecem bem abertos, atentos, arregalados. Como estivessem diante de um elefante acossado pelas malfeitorias que o Homem continua a fazer ao Património Natural, ao Clima e ao Ambiente.
Parabéns pela lucidez, meu caro José Nunes Carneiro.
Obrigado por estas Conversas, que, agora, espero possam tornar-se em permanentes tertúlias nas vidas de todos os que aqui estão.
Para que deixemos de desconversar ante o azar, o destino, a morte, a miséria ou a memória desmemoriada. E voltemos a ter razões para soltar, boca fora, o que cada um de nós carrega sobre o que sugerem os cinco poemas menos sombrios do livro – os poemas com que José Nunes Carneiro procura afagar as palavras mais elefantinas destas Conversas.
É nessa dialética – própria de quem está habituado a criar pontes e a pôr em diálogo o par e o ímpar, o positivo e o negativo, o sol e a lua, o elefante e o tratador, o traço e a mão que ginastica o lápis – que fervilham a paixão, o céu, o sonho, a (sobre)vida e, até, aquela biografia que quase dava um livro.
São os cinco poemas do livro mais dados à conversação. Mas todo ele constitui um estimulante desbloqueador de reflexões pessoais e diálogos alargados – daqueles que nos fazem pensar sobre velhos e novos problemas existenciais.
Decididamente, estas Conversas, sendo um alerta, vêm-nos convidar a reler Florbela Espanca e o seu poema – magnífico poema, aliás – São mortos os que nunca acreditaram. Porque, como há um século atrás, os tempos em Portugal não estão para “papos furados”.  Nunes Carneiro sabe disso muito bem.”
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Lugar do Desenho/Fundação Júlio Resende, em Valbom, Gondomar, 19 de novembro de 2022

São mortos os que nunca acreditaram
Florbela Espanca

São mortos os que nunca acreditaram
Que esta vida é somente uma passagem,
Um atalho sombrio, uma paisagem
Onde os nossos sentidos se poisaram.

São mortos os que nunca alevantaram
Dentre escombros a Torre de Menagem
Dos seus sonhos de orgulho e de coragem,
E os que não riram e os que não choraram.

Que Deus faça de mim, quando eu morrer,
Quando eu partir para o País da Luz,
A sombra calma dum entardecer,

Tombando, em doces pregas de mortalha,
Sobre o teu corpo heróico, posto em cruz,
Na solidão dum campo de batalha!