Daniela Roxo nasceu em Lisboa, em 1994, e cresceu no Bairro da Icesa, em Vialonga – um lugar onde aprendeu a ouvir o mundo com atenção.
Enquanto criança sonhava ser cantora, atriz e tocar música. Frequentou o Instituto Gregoriano de Lisboa, onde a música lhe ensinou o valor das entrelinhas – entre o som e o sentimento. Aí aprofundou os seus conhecimentos em formação musical, canto gregoriano e prática instrumental, experiências que marcaram o início do seu percurso artístico.
Mais tarde, descobriu a Psicologia – área que a cativou pela sua profundidade humana e pela possibilidade de escutar o outro. É atualmente aluna do Mestrado em Psicologia Clínica Psicanalítica no ISPA-Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, e exerce funções nos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa.
A sua curiosidade pela escrita manifestou-se, desde cedo, através da brincadeira com as palavras chegando a produzir letras de canções, criadas e partilhadas com os pares. Posteriormente, transformou a escrita num modo organizador do pensamento, aliando à arte a capacidade de reflexão e a necessidade de descoberta, tentando traduzir os pequenos abismos do quotidiano. A sua escrita é poética, íntima e sensível, com raízes nos temas nos quais crê residir a essência do conhecimento acerca de si, dos outros e do mundo: o amor, a existência e a procura de sentido.
Autora publicada na Revista Literária Semestral Palavrar nº8, com o poema “A minha casa”.
Recentemente convidada a integrar o XVII Volume da Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea Entre o Sono e o Sonho, com o poema “A impossibilidade”.
Olha a poesia como forma de encontro – consigo, com o outro e com o tempo que se vive. Nutre o desejo de continuar a explorar este caminho, projetando-se no mundo da escrita poética como forma de dar voz ao que é invisível e de transformar em palavra aquilo que, por vezes, não se sabe nomear.
________
“PEDIDO FÚNEBRE”
Cubram os vossos rostos de arco-íris
deixem reproduzir livremente
a melodia dos vossos peitos
olhem os olhos dos presentes
e as mensagens que não falam
relembrem os ausentes
em silêncio
olhem o céu
e a instabilidade das lágrimas espremidas de cima
observem a luz que irrompe da vasta tristeza
cubram-se
iluminem os vossos corpos
permitam reproduzir livremente
a melodia dos vossos peitos
olhem os olhos dos presentes e as mensagens cantadas em silêncio
avistem o céu e a claridade
permitam-se sentir a queimadura dessa luz intensa
e a instabilidade das lágrimas de chuva que escorrem de cima
observem a vida
que irrompe da vasta tristeza
iluminem os vossos rostos
mostrem as vossas feições
PALAVRA
É a palavra que
dirige o desbravamento dos trajetos
e assim desvela os mistérios
que a experiência tece
CENÁRIO
O cenário prossegue:
As flores parecem brotar
só do lado alheio do jardim
o sol sempre ascende
mas só pela metade
a borboleta arrasta-se
resistente, por uma só asa
a ave desenha o céu
com vista ao bando
a balança não pende
justamente para todo o lugar…
Estamos todos
inevitavelmente sós
no amor
e na angústia.
A IMPOSSIBILIDADE
Se eu pudesse
espreitava pelas fissuras da tua janela
só para descobrir
que mundo é esse
que mora coberto entre paredes.
Se eu pudesse
perturbava ainda o silêncio dos corredores
e devagarinho calcava o chão
só para encontrar a fonte desse riacho
que tanto corre.
Se eu pudesse
iluminava esse espaço, esse espaço
que se vê tão morto tão sumido
só para olhar de frente
os tremendos traços desenhados pela vida.
Se eu pudesse
alcançava os livros esquecidos e botados de lado na estante,
acariciava-lhes o pó com ternura
e folheava as suas páginas uma por uma
só para receber de ti as histórias por eles desveladas.
Se eu pudesse
[minha mãe]
suspender-te-ia nas minhas mãos e elevar-te-ia acima da minha cabeça
só para que os teus pés conhecessem algum conforto
e para que o céu se sentisse menos distante.
A (DES)ORDENAÇÃO
Somos como casas:
ao abrigo das estruturas
sustêm-se as madeiras
os eletrodomésticos
os quartos iluminados
os cantos turvos e esquecidos,
quando a madeira apodrece
cheira a mofo e traz bicho
é nessa altura
que se transforma a ordem
em desordem e a desordem em eco
faz-se vazia a casa trata-se a madeira decoram-se os parapeitos transforma-se o eco
em desordem a desordem em ordem e regressa-se a casa

